Entrevista com Vicente Dutra Oliveira

O JORNAL DE GUIDOVAL entrevistou para esta edição, o empresário Vicente Dutra de Oliveira. Vicente nasceu em Sobral Pinto, mas desde adolescente adotou Guidoval como sua terra preferida. Aqui ele construiu uma empresa que atualmente se coloca entre as mais destacadas do pólo moveleiro de Ubá, gerando cerca de 150 empregos e conseqüentemente beneficiando uma parcela considerável de nossa população. Vicente fala nesta entrevista sobre como surgiu a Indústria de Móveis Planalto, das dificuldades e desafios que enfrentou até poder se tornar um dos maiores empresários de Guidoval. Fala também sobre o MEG (Movimento Ecológico Guidovalense), do qual foi um dos fundadores e analisa a política local.

JORNAL DE GUIDOVAL: Fale um pouco sobre sua infância.

VICENTE: A minha infância não foi às mil maravilhas, mas se tivesse que voltar ao passado eu voltaria com todo prazer, porque sofri bastante, ralei muito na roça; perdi minha mãe com um ano e quatro meses e meu pai com seis anos, então eu fui criado pelos meus tios que me trataram como um filho verdadeiro. Mas eu não tenho muito a queixar, porque assim eu valorizo o que tenho, pois sofri para chegar onde estou hoje.

JORNAL DE GUIDOVAL: Com você veio para Guidoval?

VICENTE: A minha irmã casou com um rapaz da Serra da Onça, o Candido [proprietário da padaria Santa Cruz], que trabalhava com padaria no Rio de Janeiro. E ele ficou sabendo que o João Padeiro estava vendendo sua padaria e resolveu comprá-la e veio morar aqui. Nisso eu passei a vir aqui visitar minha irmã e fiz amizades com muitas pessoas de Guidoval (eu não sei o que Guidoval tem, pois as pessoas que tomam água aqui não querem mais ir embora). Então foi o que aconteceu comigo: fiz uma amizade muito grande com os guidovalenses e passei a ficar aqui. Sempre quanto tinha umas férias, eu ficava 29 dias aqui e ia um dia em Sobral Pinto para ver os meus parentes.

JORNAL DE GUIDOVAL: Como surgiu a Móveis Planalto?

VICENTE: Uma ocasião eu vim passear na casa da minha irmã e do lado da casa dela, onde era a fábrica de calçados do Sô Adão [Nogueira], funcionava o Móveis Sant'Ana. Eu estava de férias, foi naquela época do Plano Cruzado, e os proprietários da fábrica estavam com dificuldade financeira. A inflação subiu muito rápido. O juros estavam congelados e de repente foi a mais de 30% e eles não estavam conseguindo quitar alguns financiamentos. Um dia eu fui visitar a fábrica, O Carlinhos [Araújo - filho do Sinval Albino] me ofereceu uma sociedade. Na época eu tinha saído da Souza Cruz e estava meio sem rumo, então eu resolvi aceitar o desafio. Eu tinha uma certa experiência em vendas e o Carlinhos tinha experiência em produção. Ele começou a olhar a produção e eu fiquei encarregado da parte burocrática, da área comercial. Fomos tocando e, graças a Deus, com as “cacetadas da vida” e fui aprendendo a tocar o barco e conseguimos sucesso.

JORNAL DE GUIDOVAL: Conte um pouco da história da Móveis Planalto, desde quando surgiu até o momento atual.

VICENTE: A Planalto foi fundada em 2 de fevereiro de 1988 lá no antigo galpão do Sô Adão; ali havia uns cem metros quadrados e nós fabricávamos na época aquelas camas de sucupira entalhadas. Depois de alguns anos o meu irmão comprou aquele galpão onde hoje é o depósito da prefeitura [onde foi do Bié Linhares] e entrou em sociedade comigo e o Carlinhos. Até então eu tinha 50% da sociedade e o Carlinhos os outros 50%. O Gerson, meu irmão, comprou 25% da parte do Carlinhos. Quando o Gerson resolveu vender a parte dele eu as comprei, aí eu fiquei com 75% das ações da Planalto. Com o tempo o galpão ficou pequeno e o Alfredinho [Marques] me ofereceu este terreno onde estamos hoje e eu comprei. Depois de algum tempo o novo terreno já estava pequeno e eu comprei mais 15 mil metros quadrados aqui do lado, dos herdeiros da Dona Lourdes Ribeiral. Hoje nós já estamos funcionando numa área de seis mil metros quadrados, sendo que o terreno tem uma área total de 20 mil metros quadrados. Nós continuamos fazendo cama de sucupira até por volta de 1996 e a gente vendia só para Belo Horizonte, depois entramos no Estado do Rio de Janeiro com a cerejeira. De 96 pra cá o mercado deu uma guinada, começou a exigir camas envernizadas (de alto brilho), aí começamos a trabalhar como MDF. No início eu ainda fiz algumas camas ainda em madeira, mas quando a gente sentiu que a produção estava muito presa e estava todo mundo correndo para o MDF, por ser uma madeira mais ecológica também (produtos renováveis como o eucalipto e o pinus), nós passamos a trabalhar exclusivamente com MDF. Para trabalhar com MDF eu tive que investir alto. Através do BNDES eu consegui um financiamento para pagar em cinco anos. Comprei as máquinas necessárias, também tive que mexer na parte elétrica, tive que arrumar exaustão, cabine de verniz, foi uma guinada muito grande. Mas o mercado exigia. Ou você investia ou saía do mercado, não tinha opção. Em meados do ano passado nós entramos nas Casas Bahia, ela está puxando um volume bem significante. Este ano eu tive que investir mais quase meio milhão de reais para poder continuar atendendo. E estamos aí agora de olho no mercado externo também. Preparando para exportar. Eu já participei até de um consórcio em Ubá, mas a cama é um produto mais complicado para a exportação, pois cada país tem uma medida diferente, altura diferente, colchão diferente. Então é um pouco complicado. Agora os colegas que faziam armário de cozinha, estante, estão se dando bem, exportando bastante. Eu estou olhando o mercado, agora eu entrei no ramo de sala de jantar e de repente posso exportar com mais facilidade, pois é um produto que não exige aquela medida exata.

JORNAL DE GUIDOVAL: A Planalto começou com quantos funcionários e quantos que ela tem atualmente?

VICENTE: Nós começamos com dois funcionários em 1988, hoje nós temos aproximadamente 150. Isso significa 150 famílias, que se tiverem uma média de quatro pessoas cada uma, corresponde a 600 guidovalenses que tiram seu sustento da empresa que dirigimos.

JORNAL DE GUIDOVAL: Como você conseguiu transformar a Móveis Planalto em uma das maiores indústrias de nossa região?

VICENTE: Isso aí... Na verdade o “pulo do gato” mesmo eu não tenho não, você pode...

JORNAL DE GUIDOVAL: Se tiver também você não vai querer ensinar para a concorrência.

VICENTE: Eu acho que é difícil você analisar isso. Modéstia a parte, a gente contrata pessoas qualificadas, com curso superior, para poder nos ajudar e aí percebemos que isso não resolve tanto. A pessoa tem que ter mesmo é um jogo de cintura, um dom, do contrário não adianta nada. Às vezes a concorrência copia o nosso modelo de cama, mas não consegue fazer com a mesma qualidade da nossa. As vezes não contam com colaboradores iguais aos que tenho, que são amigos da gente. Hoje comprar máquina é muito fácil, dá para comprar de cinco vezes ou mais, mas o recurso humano para trabalhar nesta máquina precisa ser consciente, o atendimento aqui no escritório, enfim todos os setores têm que vestir a camisa da empresa. Isso hoje é muito importante.

JORNAL DE GUIDOVAL: Qual foi o seu sentimento quando ocorreu o incêndio na Móveis Planalto?

VICENTE: Graças a Deus eu não estava aqui no dia. Estava na casa da minha sogra. Quando a minha irmã ligou pra mim, já eram duas horas da tarde, já tinham apagado o fogo. A minha irmã tentava ligar pra mim mas não conseguia, pois o número estava errado. Mas Deus ajudou, foi até bom. Aí eu retornei para Guidoval e quando cheguei aqui e vi isso tudo aqui enfumaçado, me deu uma agonia, uma tristeza muito grande. Eu não estava nem acreditando no que havia acontecido. Aí Deus me deu uma força muito grande. Se fosse hoje eu nem sei se teria coragem de fazer o que fiz; derrubei aquilo tudo ali, limpei, fiquei 15 dias parado e comecei a reerguer (tudo do zero praticamente). Mas Deus me ajudou que não pegou fogo na parte das máquinas, pegou fogo só no produto acabado. Deus foi tão bom que o fogo pegou praticamente no meio da fábrica e foi debelado ali. Era o lugar que tinha só o produto acabado, não queimou a matéria prima nem as máquinas. Se queima as máquinas, até eu comprar novas máquinas e elas chegarem... Eu nem sei se teria condições de comprar novas máquinas, pois essas máquinas hoje são valiosas. Hoje eu tenho máquina aqui que custa 350 mil reais, como é que eu teria crédito para comprar essas máquinas? Não tinha como, eu teria que fechar a fábrica mesmo. Mas Deus iluminou e eu tive como reerguer a empresa.

JORNAL DE GUIDOVAL: Quando ocorreu o incêndio houve muito apoio dos guidovalenses, isso te comoveu também?

VICENTE: Isso foi bem lembrado. O motivo do fogo não ter propagado por toda a fábrica, foi justamente isso. Estava tendo um baile na cidade e o cabo Carvalho (que foi quem deu o grito inicial) foi pra lá e pediu que todos viessem para a Planalto apagar o fogo. E todo mundo veio mesmo. Dizem que tinha mulheres (não vou citar nomes pois posso ser injusto), mocinhas aqui de Guidoval que pegavam aquelas barras de cama, feixe de ripa de cama, pesado, dizem que abraçavam e jogavam aquilo longe do fogo. Então houve um apoio muito grande da comunidade. Se não fosse isso, talvez a fábrica até seria fechada. Pois se o fogo passasse para outros setores não teria nenhuma condição de ser apagado. Então eu não posso esquecer isso aí: teve um apoio muito grande da comunidade de Guidoval.

JORNAL DE GUIDOVAL: Qual a situação atual das indústrias do pólo moveleiro de Ubá?

VICENTE: Tem umas que estão bem e outras que estão fechando. Quem está mais preparado, o empresário que tem uma visão melhor, que já vem acompanhando a tendência do mercado a mais tempo, se preparando; a gente acostuma assistir palestra e há uns dez anos que já se vinha falando: a empresa ruim já estava saindo do mercado naquela época, a mais ou menos ia viver mais alguns dias e as boas iam continuar. Então, realmente é a realidade. As que são mais preparadas estão ficando, agora quem não acreditou está “dançando” mesmo. Hoje á margem de lucro está muito pequena, você tem que aproveitar sua matéria prima no máximo, tem que ser competitivo, se não você sucumbE.

JORNAL DE GUIDOVAL: Além de empresário, você tem também presença ativa nos movimentos sociais de nossa cidade. Fale um pouco sobre o MEG [Movimento Ecológico Guidovalense].

VICENTE: Este ano está fazendo 10 anos que nós fundamos o MEG. Eu estou cobrando do pessoal, pois nós já fomos mais atuantes, hoje nós estamos mais devagar, mais na nossa. Não estamos participando com mais agressividade. Então a gente está pretendendo dar uma balançada no pessoal e trabalhar mais. Nós estamos devendo à sociedade. Agora eu estou participando também da Sociedade São Vicente de Paula...

JORNAL DE GUIDOVAL: Você é um católico praticante?

VICENTE: Sou um pouco. Não sou muito praticante, mas sempre que eu posso vou à Igreja e me sinto muito bem. Saio de lá bem tranqüilo, com o sentimento do dever cumprido.

JORNAL DE GUIDOVAL: E a política guidovalense, tem te agradado ou desagradado?

VICENTE: Falar em política é muito complicado, é muito complexo. A gente nunca fica satisfeito, porque queremos o bem de Guidoval, quer ver Guidoval crescendo e percebemos que as coisas não estão indo conforme queríamos.

JORNAL DE GUIDOVAL: Em todas as vésperas de eleições municipais seu nome surge como forte candidato a prefeito. Você pensa algum dia ser o mandatário maior de nosso município?

VICENTE: Tem hora que eu penso, quando me aposentar. Mas eu acho que não vou aposentar nunca. Se a gente aposentar vai fazer o quê? Mas às vezes penso, se um dia me aposentar, em entrar para a política, porque as coisas nunca que melhoram. A gente às vezes critica numa situação mais privilegiada. Criticar é fácil. Então o ideal é você estar lá dentro para sentir como é que funciona uma prefeitura. Todos que passam lá nunca que agradam a gente completamente. Então a gente pensa: será que é por conveniência ou má administração mesmo? Uma coisa que eu vejo muito são as leis trabalhistas que favorece muitas vezes o mal funcionário público. O funcionário com muito tempo de serviço parece que já não quer mais obedecer as normas. Embora tenha também a lei a favor do administrador e ele às vezes não aplica por compaixão com o funcionário. Mas a prefeitura tem que funcionar igual uma empresa qualquer: usar a lei para o bem do funcionário, mas também zelando pelo benefício da empresa.

JORNAL DE GUIDOVAL: Qual a mensagem que você deixa para a população guidovalense?

VICENTE: Eu acho que Guidoval não está tão ruim. A gente não pode perder a esperança. A gente percebe que foram fechadas muitas fábricas do setor moveleiro em nossa cidade, mas por outro lado o ramo de confecções tem prosperado, ouvi dizer que tem umas vinte facções (as costureiras que trabalham em casa para as indústrias de confecções), já foram abertas várias fábricas de móveis tubulares. Eu acho que Guidoval não está tão ruim como se pensa. No Brasil tem cidades bem piores que Guidoval. Para emprego aqui eu acho que não tem muita falta. Nós precisávamos aqui é de uma qualificação de mão-de-obra, trazer um SENAI ou coisa desse tipo, isso seria de suma importância para nós.


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