escrito por Ildefonso DÉ Vieira
A tão sonhada emancipação política de Guidoval aconteceu em 27 de dezembro de 1948. Frutificou a luta dos emancipacionistas. Guidoval não seria mais um distrito abandonado da prefeitura de Ubá. Um bairro de periferia aonde político só aparece em época de eleição em busca de votos. Poucas vezes se viu tanta alegria nas ruas descalças de nosso povoado. Não faltaram foguetes, bebidas e danças. Mesmo com tanta euforia teve comerciante que colocou luto achando que deixaria de vender querosene, pois logo chegaria a energia elétrica. Acertou quanto ao progresso, mas isto em nada prejudicou o seu bem-sucedido comércio.Também não gostaram nem um pouco dessa alforria conquistada os partidários do Partido Republicano (PR) de Ubá. Guidoval era um reduto de eleitores desse partido que perdia sempre as eleições na sede da comarca e nos distritos de Tocantins, Divinésia e Rodeiro; em compensação quando chegavam os votos de Guidoval tirava-se a diferença e o PR ganhava as eleições. Houve até bate-boca, destampatório na instalação do município ocorrida a 1º de janeiro de 1949.
Até que se realizassem eleições e posse dos futuros governantes do município, assumiu como Intendente o Sr. José Vilela em 10/01/1949.
Ao som da Orquestra Jazz Sapeense, no carnaval de 1949 os foliões cantavam “Chiquita Bacana” de João de Barro e a música “Que samba bom”, canção passada para a partitura pelo músico Odilon Reis após ouvir os solfejos do boiadeiro Zizinho do Marcílio que recolhia canções em evidência no Rio de Janeiro em suas constantes viagens levando boiadas à capital federal. O samba era de autoria do genial Geraldo Pereira um juizforano radicado no Rio e amigo de farra do Vicente do Dario do Chico do Padre, dois companheiros de comitiva de Zizinho. O pai, Dario, foi o professor de cavalgadas. O filho, Vicente, um aprendiz de longas jornadas.
Em plena quaresma realizaram-se eleições especiais a 06/03/1949 para escolher o primeiro prefeito e a primeira câmara. Foram eleitos Cid Vieira (prefeito) e Dilermando Teixeira Magalhães (vice-prefeito), empossados em 27/03/1949.
Num tempo em que vereadores não eram remunerados, o povo escolheu para compor a primeira Câmara: Sebastião Cruz, Antônio José Barbosa Neto, Dionísio Vitorino Maciel, Teófilo Braz de Mendonça Filho, Antônio Vieira de Queiroz, Celso Reis Moreira, Geraldo Gonçalves dos Santos, Geraldo Dornelas Oliveira e Dr. Mário Geraldo Meireles escolhido como Presidente desta primeira legislatura. Padre Messias Passos além de abençoar os mandatos foi o orador oficial da solenidade.
A autonomia administrativa iluminou novos horizontes ao município com urgência de realizações. Construir escolas, instalar postos de saúde, canalizar água, implantar saneamento básico, urbanizar ruas, praças e avenidas, criar um código de postura, elaborar um plano diretor, abrir e conservar estradas vicinais. Nada que intimidasse a vontade dos novos governantes mesmo com tanto a fazer e pouco dinheiro para realizar.
É eleito para Juiz de Paz, em 03/10/1950, Dionísio Vitorino Maciel cargo antes já ocupado por Deoclécio Lopes Cattete, Custódio Lopes Moreira e depois por Dr. Jair Dutra Venâncio, dentre outros.
Em 27/01/1951 o prefeito Cid Vieira pede licença para tratar de sua saúde e negócios particulares. Assume a prefeitura Dilermando Teixeira Magalhães. Com dinamismo dá início à sua gestão. Prenúncio de dias de progresso vislumbra no horizonte do novo município. Mesmo diante a hostilidade de alguns moradores manda desobstruir, rebaixar e nivelar o cruzamento das ruas João Januzzi e Sete de Setembro (Esquina). Faz contrato com a Secretaria de Agricultura para perfuração de poços artesianos. Constrói a Ponte sobre o "Córrego da Laje" na Rua Belarmino Campos e a “Ponte da Cachoeira”. Inicia a canalização de água na cidade, instala escolas rurais.
Em sete de setembro de 1951, Dilermando oferece uma fotografia a Juscelino Kubitschek, Governador de Minas Gerais, como “lembrança das crianças guidovalenses na comemoração do Dia da Pátria”. É uma gentileza para lembrar e marcar a sua passagem pelo município.
Toma posse na Igreja Matriz de Santana o pernambucano Padre Oscar de Oliveira em 29/12/1951, princípio da mais fecunda administração da nossa paróquia.
Depois de mais de oito anos o salário mínimo que era de Cr$380,00 passou para Cr$1.200,00 em 01/01/1952.
Um funcionário graduado da prefeitura que recebia apenas Cr$900,00 pedia, com razão, aumento em 03/02/1950.
Depois de 39 anos sem solenidades na Semana Santa é encenado, em 11/04/1952, a Paixão de Cristo. Padre Oscar anota no Livro de Tombo: “Grande resultado espiritual”.
O iluminado Prof. Ernani Rodrigues “lança a pedra fundamental” do Ginásio Guido Marlière no dia 1º de maio de 1952. Guidoval começava de fato a se transformar numa cidade.
Existia em Guidoval, como de resto em todo país, uma acirrada disputa política entre o PR/UDN e o PSD. O cidadão guidovalense contente com a gestão de Dilermando queria que ele continuasse à frente da prefeitura. Avesso ao fingimento das campanhas políticas, cabalar votos, tapinhas nas costas, fazer promessas vãs, Dilermando revela-se um hábil negociador ao condicionar a sua candidatura a prefeito para o próximo mandato desde que houvesse uma UNIÃO de todas as correntes partidárias do município. Em 27/04/1952 há uma reunião sem precedentes do PR, PSD, UDN e PTB em que os partidos prometem uma trégua em suas desavenças ideológicas lançando candidatura única para prefeito e vice-prefeito (veja foto acima).
Em 26/07/1952, circula o jornal “Cidade de Guidoval” dirigido pelo Sr. Sebastião Cruz e Dr. Mário Geraldo Meireles, adversários políticos, mas unidos no interesse maior do município. Dois incansáveis batalhadores, vida afora, pelo progresso e bem-estar de nossa cidade. As edições desse jornal noticiam o LANÇAMENTO DA PEDRA FUNDAMENTAL do “Asilo Frederico Ozanan” e do “Ginásio Guido Marlière”, as obras e melhoramentos que aos pouco iam surgindo na pequena urbe.
Toma posse, em 28/03/1953, Dilermando Teixeira Magalhães (prefeito) e Astolfo Mendes Carvalho (vice-prefeito) eleitos pelos PSD, com mandatos obtidos através de eleição com candidatura única.
Em 19/06/1954 nasce Antônio José Barbosa depois professor universitário, historiador, ilustre conterrâneo que quando Secretário Executivo do Ministério da Educação trouxe grandes realizações para a municipalidade.
O status de cidade exigia ares de civilização. Na entrada do povoado uma velha placa alertava: “É proibido entrar carro de boi cantando nas ruas da cidade Multa $10:000”. A sanção aos infratores era estipulada em mil-réis quando o mesmo já fora extinto desde 1942. Contrariados, tristes, ressabiados, os carreiros respeitavam, em termos, este estorvo de lei provinciana. Lembro-me do Zé Coelho meeiro de Ildefonso Gomes, Pedrinho Ribeiral, Xará, Zé e Cavaco do Sô Tão, Chico Laureano, Tida Venâncio e João Natal empregado do fazendeiro e grande empreendedor Antenor Bressan que construiu em tempo recorde o prédio para abrigar o Ginásio Guido Marlière.
No dia 02/05/1956 a Paróquia de Santana comemora com fervor cem anos de existência. Vários garotos vestidos de príncipes fazem a Guarda de Honra do Bispo Dom Delfim Ribeiro Guedes que comanda a cerimônia, com a presença de vários padres, fiéis e devotos. Há uma foto que registra este fato e no verso uma significativa dedicatória "A boa D. Sinhá Cattete, a alma artística das Festas do Centenário da Paróquia”, assinada por Padre Oscar de Oliveira. Ele aproveita as festividades para comprometer-se com o início das obras de construção da nova igreja. Circula pelas ruas da cidade o jornal satírico “O ESPIÃO” feito por Ibsen Francisco de Sales, o estimando professor Salim, lembrado com carinho por várias gerações de estudantes de nossa terra.
Nesse ano, Juscelino Kubitschek enfrenta sérios obstáculos para assumir a Presidência da República a 31 de janeiro. Nossas modestas ruas já tinham sido percorridas pelo presidente-estadista, acompanhado de várias autoridades dentre elas a Profª. Jesuína Simões de Mendonça.
No dia 02/02/1957 é assassinado o fazendeiro e político Coronel Joaquim Martins, vítima de uma tocaia quando abria a porta de sua fazenda. Surgiram vários suspeitos, intrigas, júris, mas até hoje permanece o suspense e mistério: Quem matou o coronel? Esta frase provocava a cólera do Agripino, um andarilho que perambulava pelas ruas de Guidoval que é pródiga em transformar pacatos cidadãos em malucos-beleza.
É o caso do Teteco, Quirino, Ôsprum, Ô Lôco, Ilda Quiabo, Sá Lódia, Zé das Latas. Todos retidos na minha mais grata lembrança, como também os recadeiros da telefonista D. Ernestina: Kael e Manoel da Sá Joaquina. Lembro ainda do Mané Toma-Broa, o surdo Enéas, o negro Damião José, o sorridente “fumeiro” Tuniquim, o lenhador-glutão Joviano, o menino-teimoso Elpídio, o irrestível conquistador Fenderracha, o irrequieto Pinduca que às vezes desafiava o destacamento policial, brigando com todos os soldados. Batia e apanhava, depois exausto era preso. Passava a noite na cadeia debaixo da prefeitura velha (nem mais existe o prédio), exposto à curiosidade pública das crianças rueiras e dos desocupados de plantão. Dormia, sarava da carraspana, era solto e ia trabalhar de “chapa de caminhão” para o cerealista Bié Linhares que '”falou tá falado”.
Em 1959, o Padre Oscar cumpre o prometido e constrói a nova igreja, orgulho de todos nós e não existe guidovalense ausente que não saiba a inscrição em latim escrita em sua fachada: “Quam Dilecta Tabernacula Tua Domine Virtutum”. O diligente prefeito Otaciano da Costa Barros constrói o primeiro reservatório de água e distribui o precioso líquido por toda cidade, melhoramento que deu mais dignidade e saúde aos guidovalenses.
No final dos anos 50 um forte temporal seguido de uma descomunal enchente destruiu inteiramente o Circo do Bartolo. A solidariedade, a magnitude de nosso povo ajudou a erguer novamente o circo. São estas virtudes dos guidovalenses que cativam os visitantes que aqui aparecem e nunca mais deixam de voltar, isto quando não decidem morar de vez.
O jornal “A VOZ DE GUIDOVAL” de 11/06/1961 publica um artigo escrito pela Profª. Carmem Cattete Reis Dornelas enaltecendo o Prof. Ernani Rodrigues e conclamando os ex-alunos do “Ginásio Guido Marlière” a retribuírem, de alguma forma, ao município os ensinamentos recebidos. Era a D. Carmem inventando os “Amigos da Escola” bem antes da Rede Globo. Esse abnegado periódico foi o idealizador do “Dia do Guidovalense”, esta festa de confraternização. Estabeleceu ainda o compromisso moral de que todo prefeito deveria inaugurar pelo menos uma obra durante os festejos de SANTANA.
Em 25/10/1961 uma laje, em construção, cai em cima do pedreiro Calixto Braz de Oliveira, matando-o. Foi na mocidade um grande artilheiro do Sapeense. É o responsável por uma geração de bons jogadores de futebol: os filhos Lilico, Helinho, Vitor, Calixto e Braz; o neto Agnaldo e o bisneto Carlos Roberto.
Uma multidão escuta nos rádios da Barbearia do Elzo de Barros e no Consultório Dentário do Dr. Jair a vitória apertada do Brasil sobre a Espanha por 2X1 no dia 06/06/1962. A seleção dá um passo decisivo para ser bicampeã mundial. A Rua Conde da Conceição, hoje João Januzzi, é cortada ao meio por um canal para abrigar rede de água, esgoto e o primeiro calçamento de paralelepípedo da cidade, obra do inspirado prefeito Eduardo Nicodemo Occhi, também responsável pela primeira praça urbanizada (Major Albino), a 1ª Biblioteca Pública, a instituição do Hino de Guidoval composto por Plínio Augusto Meirelles e Áureo Antunes Vieira, a conclusão do Grupo Escolar Cel. Joaquim Martins e principalmente por implantar no nosso calendário festivo o profícuo “Dia do Guidovalense”.
No LARGO, Praça Santo Antônio, armava-se circos, parques de diversão e touradas como a do Mário Silva que consagrou os toureiros Testa-de-Ferro e Moreninho, mas principalmente o “Escovado” um pacato boi carreiro do João Vitório que punha qualquer um para correr até mesmo os nossos toureadores caseiros como o Miguel da D. Neném, o Chico Dercílio, o Raimundo do Sô Tão e o Custódio da Dorce do Ivair que morreu vitimado por uma fratura na coluna no exercício da sua arriscada profissão. Outro boi pegador foi o Inhapim, segundo me disse o amigo Renatinho do jornal Saca-Rolha.
Morreu, aos 89 anos, Maria Gregória Alves em 29/01/1964 que diziam ser descendente de Tiradentes, o mártir da Independência. Era avó do Mundico filho do Tianin (Cristiano Alves) proprietário da primeira jardineira que depois pertenceu ao grande comerciante português Elísio Avidago que um dia mandou o seu motorista Geraldo Carias retornar com o veículo para buscar apenas o Sr. Marcílio Vieira que ficara esquecido, uma vez que ele não estava à beira da estrada esperando a condução, pois refugiara-se da chuva na Fazenda do Dico Peixoto.
Em 23/07/1965 a imagem de Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, visita o nosso município, sendo recebida com fé e devoção pelos católicos. Neste mesmo ano, no Baile da Saudade da Festa de Santana a Jazz Sapeense faz a sua última apresentação oficial depois de mais de 50 anos alegrando guidovalenses.
Muitos músicos brilharam neste conjunto musical. Podemos citar Zé Mineiro, Piloto (pai do Tilúcio, o maior carnavalesco de toda nossa história) e Sô Nilo que tinha uma barbearia no Fundão e quase toda noite promovia um show musical ao ar livre, interrompendo a rua, dando vez e voz ao Jeová, Sô Lau, Josias do Pombal, Zé do Fio (Barão), José Occhi (Bijica), Bebeto Ramos, Landinho Estulano e Zé do Gil.
Falando de música não há como deixar de recordar da Banda Lira Sapeense, Corporação Musical Belarmino Campos, Banda Francisco Batista e seus talentosos maestros como o Moysés Mineiro, José Cordeiro, Belarmino e Álbero Campos, Zé Negueta (José Alves de Freitas), Sô Tute (Oswaldo José de Barros), Luiz Pinheiro, Zé Balbino e também os fantásticos instrumentistas como Odilon Reis, João Queiroz (do Pinho), Zé Afra, Zé Boiota, Zé Manga Rosa, Zé Vieira (flautista), toda família do Juca Alfaiate (José da Costa Azevedo) e o bombardino do Zico Sapateiro (José Ferreira Cezar).
A primeira ordenação sacerdotal na Igreja Matriz de Santana é do Padre Felipe Caetano da Silva em 26/07/1966.
Em 30/01/1967 termina o mandato do saudoso prefeito Francisco Moacir da Silva, de grandes melhoramentos ao município como calçamento de ruas, iluminação da Ponte Raul Soares, ampliação da rede de esgoto e captação de água pluvial, perfuração de novos poços artesianos, construção de escolas rurais, sendo que o ponto alto de sua administração foi a Criação e Instalação do "Ginásio Estadual Guido Marlière", fazendo uma adaptação do Prédio do “Asilo dos Pobres” doado ao estado de Minas pela Diocese de Leopoldina, sob a aprovação do Padre Oscar. No dia 25/07/1967, o criativo poeta Marcus Cremonese faz uma homenagem a Guidoval, a Santana e a todos guidovalenses apresentando o seu poema “De como eu amo uma cidade” no Cinema do Severino Occhi, que tudo sabia de marketing. Senão vejamos. Deixava uma greta de cortina aberta para se ver parte final do filme. Pelo basculante semi-aberto da Rua Sacramento um agrupamento de pessoas assistia trecho do filme. Sem mais nem menos a fita era interrompida, hora de se vender os deliciosos picolés que lotavam o freezer do bar. Garotos, em troca do ingresso, percorriam as ruas da cidade segurando uma tabuleta artisticamente escrita anunciando o nome do filme em cartaz. Saudades do cinemascope, do operador Geraldo Pereira, do porteiro Dimas Jacaré, do cinema do Severino, João Marceneiro e Zimbim (José Diomiciano Soares). Faz enorme falta um centro cultural.
Em 1968 morre o consagrado escritor Lúcio Cardoso que chegou a afirmar ao “Jornal do Brasil”: “Guidoval é a mais mineira de todas as cidades”. Esta sentença que nos envaidece é fruto das longas conversas que Lúcio Cardoso manteve com um de nossos ferreiros, quando por aqui passou.
Seria o ferreiro Sebastião Franco (avô do Dr. Wilton) ou Sebastião Almeida (pai do caminhoneiro Milim) ou Sebastião Pereira (pai da Eneida do Zim do Sô Nego)?
Ou seria o Belo que colocava bilhetes na porta do seu estabelecimento como “Belo mudô, difronte do Trajano, dibaixo do Otaço” ou ainda “Belo saiu, Belo foi murçá, Belo não demora, Belo vórta já”?
Tempos que não voltam mais.
Encerro a segunda parte deste artigo citando “Esta é a terra que Deus prometeu e do amor plantastes a raiz” , verso do meu samba “Guido, este vale é teu”.